terça-feira, 5 de maio de 2020

Coragem

Coragem
Quando me embaço no espelho
E tento limpar a sombra que deixei
Num olhar perdido e encharcado
É dessas coisas que chamam
De enfrentar a gente mesma

Coragem
É a palavras das mulheres
Que lutam pela autenticidade
No mundo que é ainda
Tão dos homens
Esses que nos amam
Também nos matam
De tanto foder
[em todos os sentidos]

Coragem
Está embrenhada
Naqueles corpos
Submetidos ao trabalho
[Em tempos de pandemia]
Pra limpar a sujeira
De um [des]governo

Coragem
É a palavra que grito
Quando limpo o espelho
E me permito continuar
Com os olhos grandes
Encharcados
Sabendo
Que se há coragem
[mesmo com meus privilégios]
Ela é feita do corpo que carrego
[Desde minhas ancestrais]

(Ellen Pereira)

segunda-feira, 30 de março de 2020

encharcada

meus olhos grandes 
encharcam a todo tempo
não consigo conter
esse rio que quer sair 
me afogo 

sábado, 21 de março de 2020

Jovelina Da Silva


Jovelina Da Silva
Parecia a passos distantes
Minha história ancestral
Enquanto dormia
Me avisaram
“está na hora de ir”
Pude saber seu nome
[Quem sabe fosse branca
Houvesse outros registros de você]
Me apego em
Jovelina da Silva
Um presente a mulheres-pretas-fortes
Te imagino
Um espaço se abre
Entre uma história in-acessada
E o tanto que me pretendo encontrar.
Invoco meus Orixás
Para que estejas caminhando em mim
Jovelina-da-Silva-Bisavó.

Dança comigo?



Em noites como essa
Em que o sono não vem
Junto todas as dores
O choro não sai
Tem coisas que engasgam no corpo
Minhas pernas seguem trêmulas
Meu quadril preto dói
Passei o dia estirada
Colecionando medos
Me vejo do avesso
E por hora
Só me deparo com não-lugares

O poema dizia
“escolha seus melhores discos e tire suas piores dores para dançar”
Será que leva muito tempo para eu aprender a dançar com elas?

Olhos cor de mel


Bagunça tudo aqui dentro
[quando se faz de desentendido]
Me [des]concerta
[como uma música que perdeu a letra]
Me faz querer uivar
[de raiva ou de gozo]
Encontra coisas que já estavam esquecidas
[Me fazendo dançar entre os “eus” que se hospedam aqui]

 [Entre o amor e a racionalidade]

Fico primeiro com o amor
Que me faz querer devorar o seu cheiro
Que faz de mim poesia no encontro com teu corpo
Que me dá sorrisos que ardem gostoso no avesso

Fico primeiro com o amor
Que me faz apaixonar
Pelos  olhos cor de mel
Mel que habita minhas entranhas

Grito e gozo [mais uma vez]
quero te mostrar tudo que tenho
No limite da racionalidade
esse encontro me faz sentir
sanidade e loucura
lua e sol
rio e mar
compasso e disritmia

me sinto uma grande morada
com você meu bem
quero compartilhar
 portas, sonhos e janelas.

(Ellen Caroline)


À Cachoeira




O avião descia torrencialmente
[Em direção a um prédio gigante]
Corri desesperadamente
Te olhei na multidão
Te agarrei pelas costas
[Quase que em posição fetal]
A Lapa, descomunal
Pedras arrojadas
[atravessavam todos os lados]
Involuntariamente,
Subi nos arcos
Te abriguei nos braços
[ancorei tua cabeça]
Mas sabe?
Àqueles dias ali
Eles eram ‘sonhos’
Agora mesmo,
Quando gotas de tristeza
escorreram pelo teu corpo
Eu sorrateiramente
tentei te cuidar
Eu te envolvi pelas costas
E abracei longamente
Queria chegar na tua alma
[e sinto que falhei]
Por fim entendi
Tem dores do tamanho daquele avião
[que colidiu com o prédio]
Tem mágoas grandes como pedras
[que foram arremessadas a todo tempo]
Egoísta que sou,
Achei que eu fosse um pedregulho
[de coragem]
Mas você
É uma rocha
FORTE [o suficiente para dar sustentação à vida]
GRANDE [o bastante para caber quedas da água]
Mãe, você é Cachoeira.
E está tudo bem
Se a água
não-dançar-sempre-igual.
Já me disse da música
que embala a vida
[de nós mulheres]
Me ensinou a ser água
[sempre corrente]
Você é abrigo para
esse corpo que é só,
pois somos nós.

(Ellen Caroline)

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Fumaça Seca


Foi a última vez
[pelo menos por hoje]
Que traguei
[tudo que não serve mais]

Foi a última vez
[pelo menos por hoje]
Que engoli
[tudo que deveria sair]

Meu cigarro acabou
A taça ficou na sala
Faz frio
E me sinto só

A merda
É que num país
Misógino e racista
É difícil abraçar a solidão

Me sinto trolada
[a todo tempo]
Quando leio notícias
Quando vou ao trabalho
Quando me (des)encanto

No fim das contas
Tentar ser uma mulher livre
É estratégia de sobrevivência
Nesse mundo escroto

A morte inventada
[De mim mesma]
É a minha forma
De, pelo menos hoje,
Estar humanamente viva
Porque dentro de mim
Tudo secou
Com a fumaça que entrou
E o vinho não-suave que bebi.

(Ellen)