Estava Ana...
... um tanto incomodada!
Foi apanhada de meses (a)pós dias e
mais horas
De perguntas que só tratavam de
inferir o limite existencial
A menina tola se abocanhava de
questões
E depois definhava nas suas perseverantes
(não) respostas!
Indagava sobre a relação do corpo no universo
Se perguntava sobre o lançamento das
partículas ao vento
Refletia o não-lugar de tudo
Foi dessas ideias-não-lugares...
... que começou a não-achar lugar
para si.
Então Ana passou a sentir solidão,
Mas não era uma solidão individual
Ela sentia solidão pelo tempo,
Pelas cidades,
Pela sua vida e a vida das outras
pessoas.
A solidão de Ana era as vezes mais inusitada:
Ela a sentia na música
Nos personagens de seus livros
Na Melancholia de Lars von Trier
[Talvez esse último assim o quisesse fazer]
Sentia a solidão dos sonhos!
Do vazio que eles deixavam ao não
existirem mais
E do vácuo que causavam mesmo quando
estavam ali
[dentro de si]
Antes mesmo,
Ana não tinha essa “birra” com os
sonhos!
Mas passou a acreditar que quanto
mais entendia do mundo
Mais embirrada ficava com eles!
Isso porque antes mesmo de nascer,
Sua mãe, avó e demais ancestrais já
tinham registrado
em suas histórias o quanto o mundo
seria assustador para as mulheres.
Também, quando já estava nascida,
Ela começou a entender que existia um
tal “problema” por sua cor
Talvez os sonhos foram se esvaindo da
vida de Ana quando descobriu que
assassinaram os sonhos-antepassados.
Depois,
Começou a entender outras questões,
Falavam de exploração do trabalho e
suas desvantagens
Puxa vida, já não bastava ser mulher
e preta!
Ana entendeu que existia um negócio
que se chamava classe.
Foi aí que se deu conta que sua birra
com os sonhos-solidão não era sua,
Porque bem no fim, ela nasceu no
não-lugar em que não poderia sonhar.
Mesmo assim, a menina foi insistente!
Eita, mulher teimosa.
Foi lá, não sabia ao certo, mas (des)embrulhava
sonhos todos os dias
Até sabia que sozinha não poderia
muito
[Ana tinha solidão, mas não era
burra]
Então sempre sonhava reafirmando o
compromisso com seus pares-não-lugares.
Puxa vida,
Mas não é que no seu não-lugar, tudo
começou a se revirar ainda mais?
A menina ficou com medo,
Em seu país, além da miséria e das
mortes-mulheres-pretas-pretos-gays-pobres-trabalhadores-trabalhadoras que lhes
eram históricas
Começou a surgir um tal de “tira mais
do povo”
Eram várias coisas tirando
Tiravam mais comida, mais
dignidade...
Arrancavam mais casas, mais empregos
Acabavam com a saúde, a educação, a
previdência
Destroçavam as condições de trabalho
que já não eram muito boas.
Eram coisas,
Infelizmente não estavam
inanimadas...
Coisas Temer, coisas Bolsonaro,
coisas JBS, coisas Odebrecht
Coisas monopólios, coisas imperiais,
coisas corruptas...
... coisas que lhe davam nojo!
Ana desatinou a escrever pela vida
Primeiro jogou umas possibilidades no
ar,
Percorreu sua labuta diária
escrevendo-pensar
Escrevia na sala, na cama,
Escrevia no desastre da humanidade
Escrevia no mundo
Ana não sabia para que estava
escrevendo,
Mas pelo menos em algum momento
entendeu que essas coisas de não-lugar, solidão e medo, tinha que ver com o
como apreendeu sua identidade nessa socialidade
Porque na verdade [sendo
mulher-preta-pobre]
O mundo lhe dizia todos os dias:
pensas que és quem pra poder sonhar?
(Ellen Caroline)